domingo, 14 de outubro de 2012

Autoridades


"Na ordem do discurso científico, a atribuição a um autor era, na Idade Média, indispensável, pois era um indicador de verdade. Uma proposição era considerada como recebendo de seu autor seu valor científico" (Foucault, A ordem do discurso).
Em 1970 Foucault disse isso se referindo à Idade Média, mas até hoje a educação brasileira  não se libertou da adoração à autoria. No ensino fundamental as crianças aprendem que fazer um trabalho é montar um Frankenstein de trechos ( na maioria das vezes retirados aleatoriamente do Google). Já na faculdade, onde os alunos deveriam finalmente ser ensinados a pensar, o Frankenstein de trechos do Google se torna um Frankenstein avançado de citações bibliográficas. Quando um dia o pobre coitado, por ato falho, deixa despencar na página uma idéia original, o professor a destaca com caneta vermelha e pergunta "De onde vc tirou isso? Cadê a citação?". Um dia desses vão implantar na porta das salas um citodômetro, para pegar os distraídos que entrarem em sala com pensamentos genuínos ou diferentes dos do autor estudado naquele módulo. Depois, quando nossos jovens travam emocionalmente na hora de escrever um simples texto de opinião ou até mesmo um poema, nos perguntamos o que há de errado. Bem, eles aprenderam que suas palavras são todas inválidas a não ser que comprovem que algum autor as proferiu primeiro. Nossas universidades se esqueceram de formar pensadores e estão formando citadores. Qualquer idéia, desde que tenha ano de publicação e página, vale alguma coisa. Entendo que a intenção da universidade é formar pesquisadores, mas de uma sala de 30 alunos, quantos desses terão uma carreira de pesquisadores? Talvez 5 ou 6 farão mestrado e doutorado. O resto não vai voltar para os bancos da universidade e se beneficiaria bastante de um ambiente de discussão intelectual mais livre da necessidade de atribuir sua idéia à uma prévia. Observando como as coisas funcionam em outros países, não posso evitar pensar que o Brasil ainda não se libertou da posição de colonizado. A necessidade de atribuir a idéia no texto a uma entidade externa me parece a posição da colônia que, insegura, ainda busca referenciais e legitimação em algo acima dela. O colonizado sente que não basta por si só. A moda, a cultura, os produtos industrializados e até as teorias tem que ser importados de alguém que está acima, que é "melhor do que nós". As universidades brasileiras precisam resolver essa baixa auto-estima e deixar que seus alunos, ao menos de vez em quando, se permitam o exercício intelectual de opinar sem citar fonte, de teorizar o novo.

(FREITAS, Lídia. Goiânia: 2012. Pg. 1. In: Divagações Bloglísticas)