"Na ordem
do discurso científico, a atribuição a um autor era, na Idade Média,
indispensável, pois era um indicador de verdade. Uma proposição era considerada
como recebendo de seu autor seu valor científico" (Foucault, A ordem do
discurso).
Em 1970 Foucault
disse isso se referindo à Idade Média, mas até hoje a educação brasileira
não se libertou da adoração à autoria. No ensino fundamental as
crianças aprendem que fazer um trabalho é montar um Frankenstein de
trechos ( na maioria das vezes retirados aleatoriamente do Google). Já na
faculdade, onde os alunos deveriam finalmente ser ensinados a pensar, o
Frankenstein de trechos do Google se torna um Frankenstein avançado de citações
bibliográficas. Quando um dia o pobre coitado, por ato falho, deixa despencar
na página uma idéia original, o professor a destaca com caneta vermelha e
pergunta "De onde vc tirou isso? Cadê a citação?". Um dia desses vão
implantar na porta das salas um citodômetro, para pegar os distraídos que
entrarem em sala com pensamentos genuínos ou diferentes dos do autor estudado
naquele módulo. Depois, quando nossos jovens travam emocionalmente na hora de
escrever um simples texto de opinião ou até mesmo um poema, nos perguntamos o
que há de errado. Bem, eles aprenderam que suas palavras são todas inválidas a
não ser que comprovem que algum autor as proferiu primeiro. Nossas
universidades se esqueceram de formar pensadores e estão formando citadores.
Qualquer idéia, desde que tenha ano de publicação e página, vale alguma coisa.
Entendo que a intenção da universidade é formar pesquisadores, mas de uma sala
de 30 alunos, quantos desses terão uma carreira de pesquisadores? Talvez 5 ou 6
farão mestrado e doutorado. O resto não vai voltar para os bancos da
universidade e se beneficiaria bastante de um ambiente de discussão intelectual
mais livre da necessidade de atribuir sua idéia à uma prévia. Observando como
as coisas funcionam em outros países, não posso evitar pensar que o Brasil
ainda não se libertou da posição de colonizado. A necessidade de atribuir a
idéia no texto a uma entidade externa me parece a posição da colônia que,
insegura, ainda busca referenciais e legitimação em algo acima dela. O
colonizado sente que não basta por si só. A moda, a cultura, os produtos
industrializados e até as teorias tem que ser importados de alguém que está
acima, que é "melhor do que nós". As universidades brasileiras
precisam resolver essa baixa auto-estima e deixar que seus alunos, ao menos de
vez em quando, se permitam o exercício intelectual de opinar sem citar fonte,
de teorizar o novo.
(FREITAS, Lídia.
Goiânia: 2012. Pg. 1. In: Divagações Bloglísticas)