segunda-feira, 18 de junho de 2012

Q.Q.ISS?!




Alguns dias atrás estive no aconchegante teatro do Cine ouro para o espetáculo “Q.Q.ISS?! As aventuras de Pendu e Cami do outro lado da lua e do arco-íris”.  É bem certo que o Grupo Sonhus Teatro Ritual já havia me convertido bem antes de abrirem as cortinas. Qualquer simpatizante de Pink Floyd não hesitaria 1 minuto diante da chance de ouvir em som 5.1 o The Dark side of the moon. Mais ainda quando a oportunidade está de mãos dadas com o clássico O mágico de Oz. E é por isso que fui ao teatro, ávida  por essa relação, velha conhecida do público. Mas o que ali se passou pela próxima hora e meia eu não poderia ter antecipado.  O mesmerizante baile de humanos e bonecos que tomou conta do palco despertou em mim no mínimo 24 tons de emoções. No coração dramático dessa narrativa estão dois espantalhos,(referência ao Mágico de Oz) que se libertam e partem em uma jornada de auto-descoberta e descoberta do mundo, ao som de The Dark side of the moon. A natureza profundamente filosófica do album é assunto que há algumas décadas povoa tanto mesas de bar quanto textos acadêmicos, partindo na maioria das vezes, de duas correntes teóricas populares: A especulativa e a levemente conspiratória. Uma ou outra, ou mesmo as tentativas mais acadêmicas de interpretar o álbum, levam sempre à conclusão de que a banda criou algo de caráter indubitavelmente universal e difícil de ser repetido. Talvez por isso mesmo seja sempre associado ao Mágico de Oz, obra igualmente triunfante sobre a passagem do tempo, trazendo questionamentos profundos que ainda são absolutamente atuais. E é essa universalidade que se faz presente no espetáculo Q.Q.ISS?!, através de cores e movimentos, do teatro do corpo, da arte circense e da representação mímica. A sutil criação de significados acontece através de uma apurada linguagem corporal dos atores e vai nos guiando quase que pela mão para reflexões sobre o ser e sobre a vida.
As canções do álbum The Dark side of the moon têm sido interpretadas como referência evidente ao ciclo da vida. Alguns estágios podem ser identificados nas principais faixas , e alguns deles estão visivelmente representados na jornada de Pendu e Cami. Considerando o que já foi dito sobre o assunto e algumas percepções pessoais, pode se dizer que a faixa Breath é uma referência clara ao nascimento do ser. Time seria a passagem do tempo na infância e juventude, o crescer. Money seria o trabalho. Us and them uma referência aos relacionamentos, à solidão e a diferença entre nós. E Brain Damage uma referência à loucura, ao inconsciente, à libertação e talvez até à morte. Assim, não é sem motivo que o espetáculo se inicia com Breath e com uma fantástica coreografia de Pendu, seguida pela tentativa de Cami de libertá-lo, de trazê-lo ao “nascimento”. O nascer é doloroso, envolve se libertar fisicamente do útero materno ( no caso de Pendu, sair do tronco), aprender a se manter em pé e posteriormente aprender a caminhar, atividades que Pendu representa, auxiliado por Cami. O espantalho Cami é um mentor e um provocador. Sua subversão o fez deixar sua roça e fugir para descobrir o que há do outro lado do mundo.  Assim, Cami e o novo amigo seguem na jornada da vida. Ao som de Time e The great gig in the sky, Pendu aprende a enfrentar seus medos (espantar os pássaros que pousam sobre ele) e aprende ainda a compreender a dor do outro. O cachorro gigante que se apresenta inicialmente como predador e tenta atacá-los, acaba se mostrando apenas uma criatura ferida. Quer machucar porque está machucado, quer atacar porque foi atacado. No entanto, quando ajudado pelos espantalhos, o animalzinho se torna dócil, pede agrados e por fim vai embora. Depois de enfrentar as intempéries e outras adversidades de uma jornada de fuga, os dois chegam ao que seria o outro lado da lua, mas se surpreendem ao constatar que lá ninguém se importa com eles, e todos parecem seguir uma dura rotina de trabalho. Ao som de Money, eles coreografam o trabalho na linha de produção em série e as atividades solitárias em que se envolvem os homens quando vão para casa ( T.V, computador, masturbação, etc). A vida do outro lado da lua não é tão glamurosa quanto imaginaram, e assim se prova o velho ditado de que a grama sempre parece mais verde do outro lado da rua. Nesse novo espaço eles também se envolvem em conflitos de relacionamento. Encantam-se com uma mulher (representada por uma boneca inflável) e brigam por ela, levando-a a morte. Depois do trágico desfecho, Cami começa a mostrar sinais de que não está mesmo seduzido pelo local e de que continuará sua jornada de procura por um lugar melhor, mas Pendu já não está disposto a seguí-lo. Sem resultado para sua negociação, Cami parte para o desconhecido sozinho, e Pendu está novamente preso. O espetáculo se encerra da mesma forma como começou, com a passagem do tempo e a imagem de um Pendu inerte. O The Dark Side of the Moon passa uma vez e meia durante o espetáculo, e as cortinas se fecham após o final de Money.
Q.Q.ISS?!, apesar das tendências de divulgação no sentido da comédia, mostrou-se um espetáculo plural. Tragicômico, reflexivo e entretenedor, tudo ao mesmo tempo. Salvas as devidas proporções, o espetáculo segue o ensinamento Beckettiano e nos incomoda com suas perguntas existenciais, faz uma crítica feroz à sociedade, ao mesmo tempo em que nos fascina com uma narrativa inteligente e divertida.

4 comentários:

  1. Que começo!! o//

    Adicionar a experiência da leitura do seu texto com todos os sentimentos do espetáculo e do albúm, é pra causar um dano cerebral permanente!

    Os lunáticos estavam no Cine Ouro nesse fim de semana e agora se espalham pela rede na velocidade do compartilhamento dessa pérola.

    Quero muito mais do Opinião, vida longa!

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  2. Q.Q.ISS!? !!!!
    Que maravilha de texto, muito obrigada por ser tão generosa conosco!
    Estamos maravilhados com a repercussão do trabalho, com a leitura de cada espectador que complementa ainda mais o espetáculo, com feed backs como esse é que conseguimos ampliar ainda mais nossas percepções e os caminhos da nossa arte!!!

    Muito obrigada!
    Jô de Oliveira
    Grupo Sonhus Teatro Ritual

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    1. Jô de Oliveira, eu é que agradeço vcs por terem nos presenteado com esse espetáculo. :)

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  3. Olá Lídia,
    Lembra-se de mim? Jô de Oliveira do Grupo Sonhus Teatro Ritual!
    Gostaria de fazer uma proposta pra vc sobre a crítica que fez sobre o nosso espetáculo. Será que pode me enviar seu telefone pra te explicar melhor o que é?! Mas preciso o mais rápido possível, estamos com uma certa urgência!
    Me envia no e-mail: jooliveira.teatroritual@gmail.com
    Muito Obrigada!

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